URSA MAIOR / Raquel Naveira



Uma mulher sensível, escritora, pesquisadora de Literatura e Arte, numa noite estrelada e insone, olha para a imensidão do cosmos, vê a constelação da Ursa Maior, que passa a ser a sua interlocutora. Aos poucos, vai relatando suas angústias, suas descobertas, suas leituras, seus gostos e delírios, num processo poético e existencial de autoconhecimento.

Tenho fascínio por noites assim, pretas e estreladas. Lá longe brilha a Ursa Maior, constelação do hemisfério celestial norte, a gigante amarela. Seu pontilhado lembra uma ursa sim. Vejo o focinho marcado por uma estrela, a orelha formada por um punhado de pingos luminosos, os quadris desenhados com estilhaços brancos de fagulhas. A Ursa Maior emana força, poder. Mãe dedicada a cuidar dos filhotes, a protegê-los com ferocidade. Ela me atrai, me prende e, de repente, me larga sozinha na Terra, em meio à nevasca, à mercê dos inimigos, de duros golpes, perdas e traições. Escondo-me numa caverna da montanha. Hiberno. Em breve virá a primavera. Sairei em busca de um favo de mel, do meu amor oculto nos astros de sua cauda. Conto as sete estrelas com nomes das letras do alfabeto grego que formam a Ursa Maior: Alfa, Beta, Gamma, Delta, Epsilon, Zeta e Eta. Sete estrelas nas mãos de um regente divino. Sete estrelas sobre o cimo da minha cabeça. Sete estrelas imortais, polares e flamejantes. Foram elas que definiram a posição dos navegadores, dos nômades, dos caravaneiros no deserto e de todos os errantes peregrinos como eu. Há uma teoria de que a Ursa Maior determinou o cruzamento do Estreito de Bering, que liga os oceanos Pacífico e Ártico, pelos primeiros humanos que chegaram ao continente americano. Os povos americanos não eram autóctones, não se originaram na América. Teriam como ancestrais os povos asiáticos, há milhares e milhares de anos. Imagino o fim da era glacial, os oceanos baixando de nível, as águas esgotadas em placas rasas, a ponte se formando entre os continentes, os paleoíndios acompanhando as manadas de mamutes, olhando para o alto, para os luminares, para os faróis projetados na escuridão tenebrosa do tempo. As estrelas fulgindo em seus corações, durante toda essa marcha épica. Enquanto a Ursa Maior pulsa no firmamento, penso que viver entre ursos selvagens é menos perigoso do que viver entre homens. Todos gememos e rugimos esperando a justiça, que está distante de nós, nesta floresta tão assustadora quanto um urso com costelas na boca. Os malfeitores e criminosos um dia enfrentarão julgamento? Uma ursa sairá atrás deles depois das zombarias e escárnios proferidos contra os que apontam a verdade? Uma fúria extraordinária virá como uma ursa defendendo as crias? E eu, serei guerreira, guardarei a minha fé? Ou dançarei equilibrando a bola do mundo em meu focinho, até a exaustão, nesse circo, nessa arena de martírios? Minha angústia aumenta. Escrevo a ti, ó Ursa Maior. Guiai-me nessa viagem, nessa escrita.
Raquel Naveira

Raquel Maria Carvalho Naveira nasceu em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no dia 23 de setembro de 1957. Formou-se em Direito e em Letras pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB). É Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo. Deu aulas de Literaturas Brasileira, Latina e Portuguesa na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), onde se aposentou. Residiu no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde deu aulas na Universidade Santa Úrsula (RJ) e na Faculdade Anchieta (SP). Deu também aulas de pós-graduação na Universidade Nove de Julho (UNINOVE) e na Anhembi Morumbi de São Paulo. Proferiu palestras e cursos em vários aparelhos culturais como Casa das Rosas, Casa Guilherme de Almeida, Casa Mário de Andrade. Publicou mais de trinta livros de poesia, ensaios, crônicas, romance e infantojuvenis. Seus livros Fiandeira e Jardim Fechado: Uma Antologia Poética foram eleitos por professores como os livros representativos de Mato Grosso do Sul pelo portal G1. O livro Fiandeira foi indicado como leitura obrigatória do vestibular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Escreve para várias revistas e jornais como Correio do Estado (MS), jornal O Estado de Mato Grosso do Sul, Jornal de Letras (RJ), jornal Linguagem Viva (SP), jornal O Trem (MG). Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, à Academia Cristã de Letras de São Paulo, à Academia de Letras do Brasil (de Brasília), à Academia Paulista de História, à Academia de Ciências e Letras de Lisboa e ao PEN Clube do Brasil.

Serviço:

Ursa Maior
Raquel Naveira

Scortecci Editora 
Ficção
ISBN 978-85-366-7044-7
Formato 14 x 21 cm 
80 páginas
1ª edição - 2025
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